Hobbies
Eu sou Marieli Mallmann e eu me sinto muito feliz de iniciarmos esse lugar que eu gostaria de chamar de uma casa numa rede social. Eu te convido a entrar, a sentar na poltrona mais confortável, se quiser se sentar ao chão ou deitar no sofá, pode. Eu preciso te contar que colocar esse projeto no ar envolveu um trabalho que se iniciou em 2022 e que foi pensado, repensado, gravado, reescrito e reimaginado durante dois anos de trabalho. Eu acho que eu passei por muitos processos que me remontaram demais como mulher e isso impactou diretamente na forma como eu enxergo e comunico o mundo a minha volta. Por um tempo, esses processos causam confusão e a gente fica ali meio perdida tentando se entender de novo. Depois, já com um pouco mais de clareza, descobrimos o caminho que queremos trilhar e aí vem a pressão de percorrer esse caminho o mais rápido possível. Durante os últimos 2, quase 3 anos, eu me lembrei constantemente que estava tudo bem trabalhar num projeto longo que exigisse esse tempo para nascer dentro de mim e que todo progresso, mesmo que lento, é um progresso.
Nesse período, eu fui cursar curadoria, fiz cursos de escrita, uma passagem breve pela marcenaria, aprendi a fazer massa fresca, explorei a literatura e a arte como nunca antes e fiz viagens que me apresentaram novos horizontes. Tudo isso, junto com referências como Silvia Federici, Maya Angelou e Annie Ernaux, me colocaram no lugar de analisar como o design atravessa a vida da mulher moderna e como é necessário simplificar esse caminho para vivermos a nossa vida com mais intenção.
É aí que nasceu o Simples, finalmente.
Um lugar onde o caminho das coisas, é conviver com elas.
No episódio de hoje, hobbies
Eu relutei muito em começar esse podcast falando sobre esse assunto, pois ele me parece tão simples, mas acho que ele acerta no coração os objetivos do nosso programa semanal: um tópico que bate à nossa porta diariamente, nos lembrando de viver o presente e conseguir realizar coisas na nossa vida!
ser simples atualmente não é mais sobre ser pouco elaborado, pelo contrário, em tempos onde a vida se faz múltipla e complexa, ser simples exige uma arte primorosa de saber lapidar a vida.
As atividades que convidamos a fazer parte da nossa rotina são base para construção das mulheres que somos. Os hobbies fazem parte disso e ouso dizer, que muitas vezes, são injustamente ignorados e desconsiderados, o que nos coloca numa posição pouco saudável para olharmos para nós mesmas, mas me deixe elaborar isso um pouco mais fazendo aquela temida pergunta: quais são seus hobbies?
Se você direcionasse essa pergunta a mim há alguns tempo atrás, eu provavelmente congelaria e te falaria que não tenho muitos hobbies, que são coisas insignificantes ou que eu nem consigo dedicar muito tempo para isso. Afinal de contas, quem consegue?
É muito comum entre as mulheres da minha vida o sentimento de que nós falhamos nessa área de nossa rotina, não fazemos muitas coisas nessa categoria imaginária do que é um hobby, por isso nos percebemos por muitas vezes como desinteressantes, pouco hábeis, fúteis e aquela sensação de estar vazias criativamente.
Quando eu mudei da minha cidade de 30 mil habitantes lá do Rio Grande do Sul e vim parar em São Paulo, eu percebi o quanto é importante ter um bom vocabulário e saber exatamente o que você precisa comunicar. Virou um hábito consultar as palavras mais simples do cotidiano em dicionários e me surpreender com usos que eu não conhecia. Ou será que isso virou um hobby?
Pelo dicionário, a definição de hobby é uma atividade feita por lazer, distração, prazer, divertimento e não por obrigação.
Eu acredito que vemos uma grande construção muito focada numa validação de gênero quando buscamos explorar esse assunto em pesquisas e essa estrutura faz com que muitas das atividades praticadas por nós, pareçam que não são boas o suficiente para receber o título de hobby.
Meus hobbies são fazer a unha, ir tomar um café, colecionar cerâmicas, estar com as amigas, arrumar uma gaveta, cuidar de plantas, escrever, ouvir música, decorar a casa.
, segundo uma busca rápida que eu fiz no google me recomendam customizar roupas, participar de um clube de leitura, bordar, enfim, mas dentro da minha cabeça e das minhas amigas existe essa voz que dita que todas essas atividades, de certo modo, são atividades de manutenção da vida.
Mas é curioso como, por exemplo, jogar futebol, colecionar tênis, jogar paintball, fazer trilha, mergulhar, correr, praticar aeromodelismo, restaurar um carro, pescar ou escalar habitam esse lugar no nosso imaginário em que parecem coisas sérias, atividades importantes e que são feitas com seriedade pelos seus entusiastas.
Eu tirei esses exemplos de duas buscas bem simples no google:
A primeira foi "dicas de hobbies para mulheres" e a segunda, "dicas de hobbies para homens".
Estou aqui me perguntando se eu deveria ter pesquisado no tiktok e não no google, pois sinto que essa descrição de hobbies é extremamente superficial e falha em representar nossos interesses tão diversos, ainda mais sendo mulheres modernas, mas ao mesmo tempo, tem uma ótica que podemos adotar em que valorizamos mais os hobbies considerados mais cult e intelectuais do que os hobbies que seguem uma dinâmica de manutenção da vida feminina. Fazer a unha é extremamente prazeroso, e pode ser tão prazeroso quanto uma coleção extensa de ingressos de museu espalhados pelo mundo e inclusive, ambos podem coexistir nos interesses de uma mesma pessoa. Essa busca no google que reflete esse imaginário disseminado pode ser vista como mais um padrão duplo causado pela generalização de estereótipos de gênero e uma justificativa para eles.
Mas tem algo aí que faz com que eu perceba Hobbies de maneiras diferentes, com muitas nuances e que preenchem espaços diferentes da nossa vida.
Uma boa ferramenta para a gente aprofundar essa conversa é trazer um exemplo pessoal, pode fofoca no Simples, gente?
Morar com homem é um laboratório, né? Quando eu morei com um homem, teve essa situação que me trouxe algumas questões. Ele sugeriu pendurar uma foto que ele tirou há alguns anos na sala de jantar de casa e isso me despertou sentimentos conflituosos: ao mesmo tempo que é a casa dele é bacana ele colocar coisas das quais ele gosta e se orgulha nas paredes, me impressiona com sua confiança depositada em algo que ele em tese, ele produziu por um hobby.
Eu pensei que não seria habitual sugerir pendurar algo que eu produzi como um hobby nas paredes de mais destaque da minha casa ali, meio sozinho, como um quadro ocupando um espaço de uma parede inteira como vemos em galerias de arte. Se eu fizesse isso, seria como encarar uma única versão sobre mim mesma constantemente.
Eu sei que pode ser fácil jogar esse comportamento meu para um lugar de baixa autoestima, mas não me parece essa a resposta, sabe? Sinto que é apenas uma constatação realista sobre a qualidade de algo produzido sem um aprofundamento, e que estes, podem não ser trabalhos excepcionais. É inclusive a minha forma de proteger o direito dos meus hobbies serem apenas prazerosos e evitar essa cobrança de até mesmo quando algo deve ser feito por prazer, precisa ser excelente.
Uma vez eu vi o Walter Hugo Mãe em reportagem para a revista ARTE!BRASILEIROS falando sobre seu processo com artes plásticas e como ele não quer ser considerado artista nesse contexto, pois, abre aspas "Sou, de verdade, um amador, alguém que ama as artes plásticas e tenta fazer algo por graça. Não quero que considerem que faço parte dos artistas, quero que vejam como um escritor que cria umas figuras malucas que podemos ver. " fecha aspas. E eu concordo muito com ele de deixar o hobby nesse lugar livre de criação, sem cobranças para ser genial, produtivo, inteligente e embasado. Afinal, o hobby é prazeroso, espontâneo, desavisado do mundo ao seu redor e divertido.
No momento, eu pensei que o que eu vejo como hobby também não necessariamente precisa produzir algo físico, material, sabe? Meus hobbies podem construir apenas bem-estar e isso é imaterial, abstrato, de certo modo.
Falando do contexto de fotografia, eu vejo uma foto que eu fiz em uma viagem com um caráter sentimental, de memória afetuosa para mim e eu poderia sim pendurá-la na minha sala, mas percebo que meu prazer em observar essa foto no cotidiano é menor do que o prazer de observar o olhar do outro, aprimorado e refinado, revisitado e reinventado durante anos e mais anos de experiência e estudo para criar algo que intriga meus olhos, reconhecer o outro nesse lugar é algo que, na minha experiência, faz com que eu me reconheça mais ainda como ser humano. Mas onde isso se conecta com a minha visão de hobbies e a tal da foto na parede da sala da casa que eu compartilhava?
Quanto mais os anos se passam, mais me vejo nessa posição onde o homem me parece esse universo inexplorado e incompreensível, eles falam isso da gente, entao quero retribuir a constatação e ainda ouso fazer suposições desse lugar de pessoa que vive a analisar o que acontece ao seu redor: a mim, é perceptível que tudo produzido pelo homem, mesmo sem embasamento algum, tem caráter de arte, caráter de importância, de relevância e deve ser encarado como tal mesmo quando é só um hobby e só uma foto na sala de jantar, a produção masculina é a materialização da erudição social. aos olhos deles, né?
Eu já vivi coisas similares antes, não com fotografia, mas essa situação toda me parece algo familiar.
Eu sigo achando que isso não é sobre autoestima, não apenas. Minha análise da situação me levou a questionar para além das paredes da minha antiga casa, para o que eu visualizo se repetindo ao meu redor ao longo de uma vida: será que hobbies masculinos estão comumente conectados com atividades que podem produzir coisas que são possíveis de serem exibidas?
Na minha bolha social chamada vida percebo que é sempre um cara que puxa o violão e começa a tocar as mais antigas do Papas da Língua numa roda de amigos.
Quando eu fiz marcenaria, minhas colegas mulheres sempre projetavam móveis que eram pensados para propor união no lar, tinham uma funcionalidade, um propósito colaborativo. Elas construíam mesas, bancos, jogos de cadeiras, mesas laterais, berços e balanços. Já os homens sempre desenvolviam engenhocas pouco úteis ou poltronas com 37 técnicas diferentes que ocupariam o lugar de destaque em seus lares e seriam exibidas orgulhosamente em jantares com amigos. Ou então a mais fina marchetaria ornamentando um tabuleiro de xadrez, no qual ele provavelmente nem é bom jogador, mas gosta do fato de parecer um profissional.
E onde isso nos coloca como mulheres? Os hobbies que eu considero ter, não necessariamente produzem algo que eu saio por aí bravejando ter feito com sucesso. Na verdade, poucos dos meus hobbies são coisas que podem ser "exibidas" e eu não acho que escolheria um hobby para exibir algo. Eu escolheria um hobby para me regenerar.
Então seriam então os hobbies considerados majoritariamente praticados por mulheres, atividades que prezam a nossa regeneração e talvez, são centrados também na regeneração do lar?
Talvez essa seja uma dessas situações onde precisamos olhar para o fato de que muitas mulheres são socializadas para a vida privada, por tanto seus hobbies acontecem dentro de casa, mas homens são socializados para a vida externa: é o brincar na rua sem horário, futebol de sexta, se reunir com os amigos no bar no sábado, enquanto a gente ainda não tinha idade para estar na rua.
A repetição de hábitos do passado segue assombrando nossa atualidade e a sensação é que é fácil cair na armadilha onde somos uma mulher que passa o tempo no ambiente doméstico à espera de um homem, e que esse tempo precisa ser ocupado com alguma atividade. Isso explica muito o por que nossos hobbies são relacionados a atividades domésticas e artesanato. Talvez explique também, porque alguns hobbies femininos são solitários. É algo que reflete as ideologias patriarcais dominantes ainda presentes, não um reflexo de como as mulheres se veem.
Além disso, existe uma teoria que também me deixa bem pensativa sobre o nosso desenvolvimento de hobbies mais na atualidade, que é a teoria do terceiro lugar. Você já ouviu falar? O terceiro lugar é aquele lugar onde você está quando não está em ambiente doméstico ou então no trabalho. Se os homens foram incentivados a estar em lugares e ocupar os espaços facilmente, às mulheres foi criado um terceiro lugar. Ele é hermético e seguro: o shopping.
Afinal, esse ambiente controlado se torna muito importante para nós mulheres, por vários motivos, desde uma estimulação do consumo, como a proibição de meninas serem ensinadas a simplesmente brincar, por que brincar pode ser perigoso. Andar de patins pode quebrar a perna, vôlei um braço, subir em uma árvore resulta em uma queda.
Isso evolui tanto que, quando adultas, nós mesmas nos podamos de realizar atividades que foram determinadas como "perigosas" por outros. Fazer um trilha pode torcer o pé, pular de paraquedas é muito alto, praticar uma luta é muito bruto.
Junto com a generalização de estereótipos, essas ideias também encorajam uma perspectiva binária e heteronormativa sobre gênero. É uma maneira das mulheres reforçarem a ideia de que "menina" é sinônimo de incapaz; na verdade, ficamos apenas desconfortáveis em áreas dominadas por homens das quais fomos historicamente excluídas.Tem coisas que gostamos porque simplesmente gostamos, mas tem coisas que fomos ensinadas a gostar e na minha mente vem toda aquela trend de im just a girl e o insight de por que não usar os estereótipos usados contra nós em nosso benefício.
E a gente pode recortar essa problemática para tantas direções, que eu me sinto capaz de abordar apenas algumas aqui, mas eu te convido a criar essas colagens na sua vida também para somar.
As mulheres casadas geralmente têm hobbies que combinam bem com os horários dos parceiros e dos filhos, levando muitas mulheres a terem hobbies que giram em torno do trabalho doméstico e de ficar em casa com os filhos. Algumas dessas atividades “tradicionais” incluem leitura, culinária e jardinagem, atividades que facilitam o enriquecimento pessoal, mas também permitem que possam cuidar dos filhos em casa.
Muitas vezes, esses hobbies são adequados para crianças e as mães podem facilmente incluí-los no que estão fazendo. Eu também acredito que não estaria falando besteira se te dissesse que eu acho que os hobbies masculinos tradicionais tendem a afastar os homens de casa e dos cuidados com o lar e a família. Afinal, quais são os hobbies masculinos mesmo? Jogar futebol, jogar paintball, fazer trilha, mergulhar, correr, aeromodelismo, restaurar um carro, escalar, enfim, atividades que geralmente acontecem ao ar livre e que muitas vezes os levam para longe de casa por longos períodos durante os principais horários de cuidado. Eu estou cansada de conhecer pais que não abrem mão do futebol de sábado à tarde que dura das 14h até as 21h, afinal de contas, sempre tem o social após a "pelada". Enquanto isso, a gente tem mães que descobrem atividades que podem incluir seus filhos, criar laços e ocupar um tempo ocioso de forma divertida e produtiva.
Até porque, se estamos falando especificamente sobre relacionamentos heteronormativos, as mulheres dificilmente sentem que recebem o mesmo apoio que dão aos seus parceiros quando desejam assumir um hobby que pode afastá-las de casa.
Vamos de exemplo: imagina se a mulher fala ao marido que vai jogar futebol nas tardes de domingo durante cinco horas seguidas em uma liga feminina e pede a ele para ser o cuidador principal dos filhos naquela parte do dia? Claro que sempre existem exceções, mas eu e você sabemos qual é a maior probabilidade nessa situação.
Inclusive, se a gente precisasse de uma fonte para comprovar isso, já seria uma questão, né? o problema está exatamente nisso!
As mulheres nascem com uma responsabilidade inata de quebrar os tetos de vidro construídos contra elas pelo patriarcado e isso é exaustivo, então temos o direito de expressar frustrações sobre isso da maneira que decidirmos.
Mas vamos lá, segundo um estudo conduzido pelo Pew Research Center em 2022, quando as mulheres se casam com homens, perdem tempo com trabalho não remunerado, enquanto os homens que se casam com mulheres, ganham tempo. Isso influencia sua capacidade de participar de hobbies.
Maridos que trabalham têm mais tempo de lazer do que as esposas que trabalham, especialmente entre aquelas que têm filhos. Os maridos empregados que têm filhos menores de 5 anos em casa passam 24,6 horas por semana em lazer, em comparação com 20,1 horas entre as esposas empregadas com filhos nessa faixa etária – uma diferença de 4,5 horas.
E lembrem-se que provavelmente, boa parte dessas 25 horas dos homens podem ser preenchidas com hobbies que os afastam das dinâmicas do lar e da família, enquanto as mulheres, provavelmente dedicam boa parte desse tempo justamente para o bom funcionamento dessas áreas.
Existe também uma notável disparidade de género entre hobbies e profissões. Por exemplo, cozinhar é visto como uma “tarefa predominantemente feminina”, mas os homens dominam a indústria dos chefs de cozinha. Há mais chefs homens com estrelas Michelin do que chefs mulheres, mas o número de mulheres premiadas com estrelas tem aumentado. O Guia Michelin tem sido criticado pela falta de chefs mulheres com estrelas, mas o guia destacou que há menos chefs mulheres no geral na indústria. Informações demográficas sobre chefs de cozinha nos EUA em 2022 era de 22,6% serem mulheres e 77,4%, mas quando isso é levado para o lar, 75% das refeições feitas em uma casa, são preparadas por uma mulher. Não encontramos dados atualizados sobre essa informação no Brasil.
Eu gosto muito de pensar sobre a vida e arte da Georgia O'keeffe, principalmente para além da arte dela, mas como ela vivia. Sabe-se que a Geórgia era de seguir suas próprias regras e ela estabeleceu um estilo pessoal distinto e passou quase 60 de seus 98 anos vivendo e pintando no Novo México, nos Estados Unidos.
Ela tinha duas propriedades na região, mas tem uma em especial que foi a sua casa permanente e que me emociona muito. A casa reflete uma mistura de estilos de construção nativos americanos e coloniais espanhois, tradições arquitetônicas regionais que remontam a séculos. Os cômodos mais antigos da casa foram provavelmente construídos em 1744 e a casa foi expandida no século 19. Quando a Georgia comprou essa casa, ela estava em ruínas e passou por restauração, que foi realizada por sua amiga, Maria Chabot.
A casa de O’Keeffe é realmente um deleite pros olhos. Chega a ser um sonho imaginar viver nesse lugar com paredes largas, grossas, irregulares e com janelas imensas e paisagens com montanhas a distância. Por fora, a casa tem um tom terracota, por dentro, as paredes brancas, um teto com vigas largas de troncos de madeira e lareiras espalhadas pela casa embutidas nas paredes de tijolos. Na decoração, a Geórgia mostra seu comprometimento com o design e a estética moderna, com luz natural abundante e móveis modernistas. Muita madeira, pedra e elementos naturais e claro, a coleção de ossos espalhada por todos os cantos.
A casa tem aquela fluidez entre os espaços, com respiros, aconchegos e apesar de ter informações visuais fortes, é um lugar leve. É um lugar onde ela lapidou as próprias referências e paixões, tendo como resultado o simples. E é justamente aí que eu quero chegar.
A Geórgia tinha uma relação bem forte com a comida. Ela apreciava legumes, vegetais, folhas e engajava em plantar muitas coisas que comia, tudo de forma orgânica, enlatava algumas coisas e conservava outras, moia trigo, fazia iogurte — de tudo.
Se sabe através de entrevistas com chefs da região que a O'keeffe tinha um paladar muito interessante, muito local, muito da fazenda para a mesa. Ela se concentrava na essência dos sabores, era muito SIMPLES, apenas os elementos essenciais em toda a sua simplicidade.
Ela preparava sua comida e sua apresentação em pratos brancos simples, de forma muito semelhante à forma como ela preparava suas obras de arte.
Quem conviveu com Okeefe, fala que ela amava sabores de ervas e produtos frescos — e sendo muito consciente de seu valor nutricional. Ela adorava saladas de verão. Ela gostava de vegetais feitos no vapor até ficarem cozidos, mas ainda crocantes, e servidos com apenas um toque de manteiga ou óleo, sal e pimenta. Ela gostava de sua comida preparada de forma simples. Ela queria que seus sabores distintos brilhassem.
Em seu jardim, cultivava tomates amarelos, pera, manjericão roxo, folhas de dente-de-leão, folhas de beterraba e couve kale.
Olhando para as paredes brancas e limpas da cozinha e a mesa simples de compensado, a gente pode imaginar o quão marcante uma salada simples teria parecido quando posicionada ali.
Minha sensação é que Georgia O'keeffe criou um espaço para que ela pudesse existir em meio as coisas que acreditava, mas não deixou que isso ofuscasse o seu propósito criativo e até mesmo, quem ela era em essência. Criar, pintar, era a sua principal tarefa, mas será que ela teria encontrado as inspirações e referências que se enxergam em suas obras se não tivesse se entregado para os seus hobbies, seja a jardinagem seja a coleção de ossos? Em meio ao deserto, existem dificuldades de cultivo, existem ossos em abundância, e acredito que Georgia entendeu que o caminho das coisas é conviver com elas.
O’Keeffe morou na casa de 1949 a 1984.
A casa e o estúdio são supervisionados pelo Museu Georgia O'Keeffe em Santa Fé e estão abertos para visitas de março a novembro. Nas redes sociais do podcast, vamos deixar uma seleção de fotos da casa para quem quiser conhecer.
O Gabinete de Estatísticas Nacionais da Universidade da Georgia, também concorda que as mulheres são menos propensas a ter um hobby porque passam mais tempo em trabalho não remunerado, como tarefas domésticas ou cuidados com os filhos. Na verdade, a única coisa em que as mulheres passam mais tempo é na socialização.
E essa é uma descoberta interessante, pois cientificamente, as mulheres consideram as interações sociais entre pessoas do mesmo sexo mais gratificantes do que os homens devido à sensibilidade à oxitocina no cérebro. Assim, a socialização diária pode ser gratificante e ajudar a manter um senso de identidade.
Depois de passar horas e mais horas pensando sobre o motivo de eu nao pendurar uma foto que tirei por lazer na parede de casa com caráter de obra de arte, eu entendi o motivo ao compreender melhor a minha socialização, algo tão… simples, mas elaborado e a chave de uma epifania que desfez todos os nós na minha cabeça:
Pendurar a arte de outra pessoa, principalmente uma mulher, na minha casa faz mais sentido, porque me satisfaz biologicamente ter interações como essa. Eu ganho mais senso de mim mesma quando convivo com o outro.
Talvez, as atividades que eu faço que me regeneram e me revigoram, não são atividades de produção de algum material para exibição. Não é ser aclamada por algo que me alimenta. Quando alguém me perguntar quais são meus hobbies, não vou ficar com um vazio no cérebro e me sentir desinteressante: agora eu sei que meu hobby é qualquer atividade que me proporcione prazer e convivência com o outro, atividades que me regenera e tragam inspiração e que isso tem tanto valor quanto qualquer outra atividade considerada prazerosa por um indivíduo.
Talvez andar por tantas nuances e complexidades da vida da mulher moderna seja uma forma de simplificá-la e a partir de agora, a gente possa compreender juntas as coisas que nos impactam, podendo recalcular a nossa rota com mais precisão por um caminho mais simples, mas igualmente bem elaborado e me traz um pouco mais de sossego nesse mundo perceber que
o caminho das coisas é conviver com elas.
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Referências de pesquisa
Imagens: Reprodução/O'Keeffee Museum